Tavares Meneghetti Sociedade de Advogados

Análise Crítica: A Extradição de Carla Zambelli e os Equívocos Jurídicos da Mídia. Uma Perspectiva Técnica.

O debate público sobre casos de grande repercussão, especialmente aqueles envolvendo figuras políticas e o Poder Judiciário, frequentemente resulta na disseminação de informações juridicamente imprecisas. A recente matéria jornalística que explora a situação da Deputada Federal Carla Zambelli no exterior é um exemplo paradigmático, ao ventilar teses como a possibilidade de sua extradição ou o cumprimento compulsório de pena em país estrangeiro.

O presente artigo se propõe a realizar uma contestação técnica de tais argumentos. O objetivo é oferecer aos operadores do Direito uma análise sóbria e estritamente legal sobre o tema, desconstruindo os equívocos veiculados e reafirmando os princípios que regem a cooperação jurídica internacional e o direito extradicional brasileiro.

A Premissa Fática e o Início da Análise Jurídica

A premissa fática é de conhecimento público: a Deputada Federal, ré em Ação Penal perante o Supremo Tribunal Federal, noticiou sua saída do território nacional. Tal fato, por si só, acarreta consequências processuais penais relevantes, como a potencial decretação de prisão preventiva para assegurar a aplicação da lei penal, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal. Contudo, as ilações sobre as consequências de sua permanência no exterior, como a extradição, carecem de fundamento técnico.

O Principal Equívoco da Matéria: A Absoluta Inviabilidade da Extradição de Brasileiro Nato

O argumento central da reportagem, que sugere uma possível extradição da parlamentar para cumprimento de pena no Brasil, ignora o mais basilar dos princípios em matéria de extradição passiva: a vedação constitucional à entrega de brasileiro nato.

A Vedação Constitucional Expressa e sua Natureza de Cláusula Pétrea

O Artigo 5º, inciso LI, da Constituição da República Federativa do Brasil é taxativo: “nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado…”. A norma estabelece uma garantia fundamental ao cidadão brasileiro nato, de natureza absoluta, que não comporta exceções ou relativizações. Trata-se de uma manifestação da soberania nacional, que impede que o Estado brasileiro entregue um de seus nacionais para ser submetido à jurisdição penal de um Estado estrangeiro.

A matéria jornalística erra ao tratar a extradição como uma possibilidade dependente do país em que a parlamentar se encontra. O óbice não reside em tratados internacionais ou na legislação estrangeira, mas sim na própria Lei Fundamental brasileira. A extradição, neste caso, não é um ato discricionário ou complexo; ela é juridicamente impossível.

Distinções Técnicas: Extradição Ativa versus Extradição Passiva

É crucial distinguir os institutos. A extradição passiva ocorre quando um Estado estrangeiro solicita ao Brasil a entrega de um indivíduo. É neste cenário que a vedação do Art. 5º, LI, se aplica de forma intransponível para brasileiros natos. A extradição ativa, por outro lado, ocorre quando o Brasil solicita a entrega de um foragido a outro país.

Mesmo no cenário de extradição ativa, a questão da nacionalidade é central. Muitos países também se recusam a extraditar seus próprios nacionais. Caso a parlamentar possua, por exemplo, a cidadania italiana e esteja na Itália, o Estado italiano, sob a égide de sua própria soberania e legislação, muito provavelmente negaria a extradição, independentemente de tratado.

A Análise Técnica sobre o “Cumprimento de Pena no Exterior”

Outro ponto que demanda correção técnica é a sugestão de que a parlamentar poderia “cumprir a pena no país onde for localizada”. A matéria parece confundir institutos distintos, tratando de forma simplista um mecanismo complexo de cooperação jurídica internacional.

O Instituto da Transferência de Pessoas Condenadas

O mecanismo jurídico para o cumprimento de pena em país diverso daquele da condenação é a Transferência de Pessoas Condenadas, regido pela Lei de Migração (Lei nº 13.445/2017) e por tratados bilaterais ou multilaterais específicos. Este instituto não é uma ferramenta de punição unilateral, mas sim de cooperação, visando, em regra, a ressocialização do sentenciado em seu país de origem.

Requisitos Essenciais e o Papel do Consentimento

A aplicação deste instituto é condicionada a uma série de requisitos, dentre os quais se destacam:

  1. Existência de Tratado: É necessária a existência de um tratado de transferência entre o Brasil e o Estado onde a pessoa se encontra.
  2. Consentimento do Condenado: Em regra, a transferência depende do consentimento expresso do sentenciado. Não se trata de uma imposição.
  3. Dupla Inculcação: O fato que originou a condenação deve ser considerado crime em ambos os países.
  4. Trânsito em Julgado: A sentença condenatória deve ser definitiva.

Portanto, a ideia de que o Estado brasileiro pode simplesmente “determinar” o cumprimento de pena em jurisdição estrangeira é um equívoco. O processo é complexo, depende de cooperação e, crucialmente, do consentimento da pessoa condenada.

Consequências Jurídicas Efetivas e os Mecanismos Cabíveis

Contestadas as teses equivocadas, quais seriam, então, as medidas juridicamente plausíveis?

  • Difusão Vermelha da Interpol: O Estado brasileiro pode, e provavelmente o fará, solicitar a inclusão do nome da parlamentar na Difusão Vermelha da Interpol. Trata-se de um alerta global para a localização e prisão provisória de uma pessoa procurada. Contudo, o fim último da Difusão Vermelha é a extradição, que, como visto, é inviável.
  • Cooperação Jurídica para Atos Processuais: O Brasil pode se valer de mecanismos de cooperação para a realização de atos processuais no exterior, como a expedição de cartas rogatórias para citação, intimação ou mesmo para a realização de interrogatório, a depender dos tratados vigentes com o país de destino.

Conclusão: A Imperatividade da Precisão Técnica no Debate Jurídico

A análise da matéria jornalística em tela revela uma perigosa simplificação de institutos jurídicos complexos, induzindo o público a conclusões equivocadas. Para o operador do Direito, cabe o dever de intervir no debate público com precisão técnica, desfazendo mitos e reafirmando as garantias e procedimentos previstos em nosso ordenamento jurídico. O caso expõe a fronteira entre a persecução penal legítima e os limites impostos pela Constituição e pelos tratados internacionais.

Tais questões, que tangenciam o Direito Constitucional, o Direito Processual Penal e o Direito Internacional, demandam um fórum qualificado para aprofundamento. É neste cenário que a troca de conhecimento e a análise de casos paradigmáticos se tornam essenciais para a evolução da ciência jurídica.

Neste contexto, o X Congresso Brasileiro de Direito Penal surge como o palco principal para estas discussões. O evento reunirá os mais renomados penalistas do país para analisar não apenas este, mas todos os temas candentes que desafiam a advocacia e a magistratura na atualidade, oferecendo um ambiente propício para o debate de alto nível que a matéria exige.


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